Devaneios, Tales

O Menino, o Subconsciente e a Aranha

Conto que escrevi no dia 05/06/2010. Atualmente não escrevo mais contos 🙂

 

O quarto estava infestado de insetos, não sabia mais o que fazer para que parassem de surgir ainda mais. Encostou a janela e sentou na cama com suas mãos embaixo das coxas. Olhou para cima, o teto estava infestado deles. “Oh não, como vieram parar aqui? Saiam, saiam. Preciso dormir”. Não se deu por vencido, abriu a porta do quarto, atravessou correndo o corredor e voltou em seguida com uma vassoura na mão.

“Se não querem sair por bem, será por mal”. Começou a cutucar um a um os insetos que estavam no teto, assim que caíam, jogava-os contra a parede e em seguida arremessava-os para fora através da janela. Um a um foram saindo. Quando se esparramou na cama, cansado de tanto pular, correr e bater, escutou um barulho nos fundos de sua cama. Foi até a beirada ver o que era e encontrou um vaga-lume enroscado na teia de uma aranha. A aranha a cada meio tempo corria para cima do vaga-lume, golpeava e voltava. Assim permaneceram durante alguns minutos.

Com pena do vaga-lume, o menino tentou ajudá-lo. Pegou seu chinelo e trouxe o inseto para fora do alcance da aranha. Como ele ficou grudado na sola de seu chinelo, levou-o até a janela e balançou-o até que voou longe. “Ok, já está bom por hoje. Esta aranha minúscula não irá atrapalhar meu sono”. Deitou em sua cama, cobriu-se até a cintura e desligou a luz.

Passaram-se minutos e algum inseto rapidamente pousou-lhe no braço, sem dar muita importância, o garoto apenas lhe deu um tapa para fazer o inseto cair longe e voltou a dormir. Quando finalmente roncava com a boca aberta e sua baba escorria para o travesseiro, sentiu que alguma coisa havia entrado em sua boca. Rapidamente fechou a boca e foi então que notou algumas cutucadas em sua língua. Não sabia como tiraria o bicho que ali encontrava, levantou ligeiramente e foi até o espelho ver o que era. Abriu a boca e lá estava a aranha a qual o garoto havia roubado sua comida. A aranha deu um pulo dentro de sua boca e encarou-o com seus respectivos oito olhos e disse: “Seu idiota, como pode roubar meu jantar? Você não tem coração não? Ainda dizem que nós insetos é que possuímos sangue frio”. O menino neste momento levou um susto tão grande que sua primeira reação foi engolir em seco. Só que ele não engoliu seco, ele acabou por engolir a aranha.

Atordoado, correu para o quarto de seus pais e gritou: “Acabei de engolir uma aranha que falava!”. Os pais dele acordaram com um pulo e perguntaram: “Você engoliu o que???”, o menino notou que acabara por falar demais, sabia que nunca acreditariam na história que a aranha falava e por fim disse: “eu engoli uma aranha viva”. Sua mãe chamou-o para perto e pediu: “Que tamanho tinha essa aranha meu filho?” O menino respondeu: “Assim óó” e tentou demonstrar o tamanho fazendo menção com sua mão direita. A mãe do menino observou sua boca, seus dentes e sua língua e finalmente disse: “Não se preocupe querido, está tudo bem, não vai mais acontecer nada, ela deve ter morrido asfixiada já”.

O garoto saiu vagarosamente do quarto e foi até a cozinha pensando “não acredito mesmo que essa história acabou desta forma. Ela era uma aranha diferente, ela falava, como pode morrer simplesmente assim? E se ela não morreu? E se ela me picar dentro de meu estômago? Vou tomar muita água agora, assim talvez ela se afogue”.

Pegou um copo de vidro do armário, encheu-o de água gelada e em um só gole bebeu tudo. Sentiu-se mais feliz, não sentira nada de incomum e andou em direção ao quarto para dormir novamente. Ao se aproximar da cama, sua visão ficou turva, perdeu a percepção do espaço e a cama que estava a um passo de distância, agora parecia muito mais longe. Em apenas um segundo, tudo escureceu e ele tombou para cima da cama.

Ainda desacordado, ele abriu os olhos e nada viu. Cercado por sombras, nada pode reconhecer, pareciam moluscos, sem pé e nem cabeça, resolveu gritar: “Olááá, tem alguém aí?” Uma voz grossa respondeu: “Não berra! Ninguém aqui é surdo!” O menino olha para todos os lados a procura de quem disse estas palavras e diz: “Quem é você? Por que não estou te vendo? Onde estou?” A voz em seguida soa: “Para que tantas perguntas? Não tem a santa paciência de fazer uma de cada vez? Eu sou a Subconsciência, que inclusive devo fazer parte de você. Porém, você não tem muita consciência de mim, ainda mais agora que a Consciência está lesada. E sim, você está me vendo, eu sou tudo isso que te rodeia, estamos todos conectados e somos todos somente um. Fazemos parte de seu cérebro, achei que você já deveria de saber disso, não?” O menino sentiu um certo enjoo e comentou: “Sim, eu entendo, mas não entendo. Entendi aonde estou, quem é você, que você faz parte de mim, mas não entendo o porque que estou aqui. Como vim parar aqui? Por que a minha consciência está lesada?”

A Subconsciência permaneceu em silêncio por meros segundos e voltou a falar: “Sua Consciência foi atacada pela aranha que você engoliu quando ainda estava consciente do que fazia. Se você for um pouco para o lado esquerdo, verá que ela está ali, esperando por você.” Mal terminou de falar, o garoto questionou: “Como assim esperando por mim? Ela vai me atacar?” Sua subconsciência que já estava perdendo a paciência, disse com uma voz áspera: “A aranha já te atacou, não ouviu o que eu falei antes? Ela atacou a Consciência, ou seja, te atacou. E agora, você está com medo do que? Se você ainda não percebeu, você não está aqui em pele e osso, apenas mentalmente. Ai garoto, por favor, não me faça ter vergonha de viver dentro de sua cabeça.” O menino um pouco confuso, decidiu ver a aranha.

Caminhou marcando o passo para o lado esquerdo, ao qual a Subconsciência havia indicado. Não demorou muito e a viu encolhida dormindo. Pensou consigo mesmo: “Nossa, como ela está grande. Era tão pequena antes de eu engoli-la, que horror. Preciso tirá-la daqui, antes que ela ataque meu cérebro inteiro e eu acabe morrendo”. E correu novamente para o lugar o qual estava antes conversando com a Subconsciência.

“Subconsciência, você está me ouvindo?” Sussurrou o menino e ela em seguida respondeu: “Claro que estou, o que foi desta vez?” E o garoto respondeu: “A aranha está muito grande. Está horrível, estou com tanto medo. Precisamos fazer com que ela saia de dentro de mim o quanto antes.” A Subconsciência indignada indagou: “É minha impressão ou você ainda não se tocou que não é ela que está grande mas você que aparenta estar pequeno? Rapaz, você está dentro de seu próprio cérebro, o seu cérebro não é maior do que seu corpo!”

O menino envergonhado por ter falado besteira olhou para baixo e pediu desculpas, o subconsciente as aceitou em seguida. O garoto olhou ao redor e questionou: “Como a tiraremos daqui?” A voz da Subconsciência soou em seus ouvidos: “Fácil, eu entrarei em contato com as partes do cérebro responsáveis por cada movimento feito em seu corpo, entendeu?” O menino pensou por um instante e disse: “Hum, mais ou menos… Se puder me explicar melhor, ficaria grato.” “Ok” respondeu o cérebro “O esquema é o seguinte: seu corpo trabalha sem que todos os seus atos sejam registrados pelo seu consciente, ou seja, você não precisa pensar para movimentar um braço ou uma perna, você apenas movimenta, sabe? Explicando mais a fundo ainda, esses movimentos são realizados por certas partes do seu cérebro, são elas que coordenam isso. Se elas falharem, você não consegue mexer seu corpo, perderia a locomoção motora, podendo até ficar deficiente.” O garoto se silenciou e logo disse: “Tá, então o que faremos é ordenar as partes do cérebro que comandam minhas ações, isso?” “Isso mesmo” Respondeu a Subconsciência “Se por acaso a aranha resolver ir até seus órgãos, também teremos o total controle da situação.”

O garoto então tentou bolar um plano, mas fracassou, não conseguia pensar em algo muito útil, pediu para o subconsciente: “Você já tem alguma ideia?” A Subconsciência respondeu em seguida: “Sim, me escuta com atenção: utilizaremos você como isca para tirar a aranha do cérebro, farei com que seu sistema nervoso siga meus comandos, jogaremos a aranha para seu sistema digestivo, farei seu estômago causar uma indigestão, você rejeitará a aranha e terá uma disenteria ou vomitará”. “Humm, mas como irei ser a isca para a aranha se ela não pode me ver?” – questionou o menino. A voz do subconsciente soou: “Faremos com que você possua um corpo ilusório, as aranhas não são muito inteligentes, agem por instinto, não irá notar a diferença do real e irreal”.

O menino não questionou mais nada, sabia que agora o que precisaria fazer era ir em direção a aranha e dali em diante o seu subconsciente estaria na frente para tomar todas as decisões e agir por ele. Chegou perto da aranha e gritou: “Acooorda Senhora Monstrenga”. A aranha por fim se acordou, viu o leve reflexo do garoto e em um segundo estava de pé. “Oras, como ousas aparecer na minha frente?” – disse a aranha. O garoto não lhes respondeu nada, apenas correu em direção à via nasal a qual levaria para a garganta. Quando chegou ao esôfago o menino parou, era ali que esperaria a aranha o alcançar. Porém, antes que pudesse ver a aranha ali próxima, alguma coisa aconteceu, sua visão tornou a escurecer e o menino se apagou.

O menino acordou horas depois se sentindo meio enjoado, olhou para o lado e sua mãe estava ali, sorrindo para ele e por fim disse: “Que bom que acordou, vejo que está bem melhor agora”. O garoto sem saber direito o que estava acontecendo olhou para o lado e quando viu um balde de água e questionou-a: “Por que esse balde está aí?” A mãe respondeu: “Bem, você teve uma crise de enxaqueca e lhe demos remédio, assim você acabou por vomitar tudo que havia comido nessas últimas horas”.

O garoto ficou pensando consigo mesmo, será que era o remédio que o fez vomitar ou foi o plano de seu subconsciente? Não iria contar essa história a sua mãe… Da mesma forma que foi estupidez ter dito que a aranha falava, era besteira falar que teria se comunicado com seu subconsciente mentalmente, e ainda por cima ter planejado uma forma para expulsar a aranha do interior de seu corpo. “Não, não. Deixa-a acreditar que eu tive apenas uma enxaqueca mesmo” – pensou o menino.

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