Devaneios, Tales

O Individualista e a Flor do Deserto

Outro conto feito há 10 anos atrás.

 

Em algum lugar do deserto, um homem caminhava. Ainda era dia e o sol brilhava, tornando  o momento ainda mais desesperador. A fome não mais existia, porém a sede que tinha, era imensa. Às vezes, caia na areia, sem vontade mais de levantar, preferia morrer, mas tinha que continuar. Levantava novamente, quase sem forças e voltava a andar. Assim perdurou sua viagem até o final do dia… 

O sol estava se pondo, a lua surgindo e a escuridão se aproximava. O homem resolveu parar para descansar. Tirou de sua bolsa seus pertences e estendeu uma toalha sobre a areia. Remexeu novamente em sua mala em busca de algum galão de água, mesmo sabendo que não mais havia. No instante em que encostou sua cabeça sobre um rolinho de pano, já deitado no chão, viu que havia uma flor roxa muito próxima de onde havia deitado. Com preguiça de levantar, se arrastou alguns centímetros e ficou bem próximo a beleza da qual a flor transmitia. O homem percebeu que ela não era uma simples flor, ela tinha pétalas longas e finas, um miolo branco e era possível ver nitidamente que havia dois olhinhos e uma boca ali também. 

A flor, abriu os olhos, franziu a sua pequena boca e disse:

– O que foi homem estranho? Nunca viu uma flor na sua vida não?

O homem chocado com o fato da flor falar disse:

Claro que eu já vi uma flor, mas não uma que possuísse olhos e boca, muito menos que falasse.

Senhor, isso é absolutamente normal. No caso de nunca ter notado antes, talvez fosse o senhor muito ocupado. – Respondeu a flor roxa.

Como posso ser um homem ocupado se estou a vagar por esse deserto a dias? Agora nada me resta… Nem sequer  água para sobreviver eu tenho.

Mas o que o senhor faz no deserto? Qual e a sua missão? – Questionou a flor.

Florzinha, não adianta eu lhe dizer nada sobre o que me passa e o que já me passou, você nunca iria entender, pois vive e sempre viveu ali, plantada!

Como ousa dizer isso de mim, caro perdido. Pelo que percebo, você que não tem dado sentido a sua vida. Eu ao contrário, sei tudo o que se passa nesse deserto e como você pode notar, não estou morrendo e nem difamando os próximos ao qual converso.

O que está querendo dizer com isso? – Respondeu o homem agora intrigado.

Estou dizendo que estou sintonizada ao planeta, eu sei de minha existência e sei do que sou capaz de fazer e não fazer. O senhor já está nesse deserto há meses e nunca conseguirá sair se não conseguir abrir essa sua mente. – A flor nesse momento, levantou um de seu galhos para o céu. 

Por que diz que não irei sair do deserto enquanto não abrir minha mente? O que você, somente uma flor, pode dizer disso? – Argumentou o homem já pensando estar delirando.

Como eu já lhe disse, caro ignorante, estou sintonizada ao planeta. Posso saber o que se passa nessa sua cabeça apenas captando a energia que você transmite.

Nossa, fiquei até comovido agora. – Insinuou o homem sarcasticamente. 

Pois bem, irá ficar muito mais quando não lhe restar nem forças para dar mais um passo. Você deveria ser um pouco mais humilde, sabia?

Não me diga o que eu deveria ser, isso eu já sei. – Apesar do tom de voz ainda ser cínico, já demonstrava certo arrependimento por suas palavras grosseiras.

Ah, sabe?? Pois bem, então diga!! – Exigiu a flor.

Preciso de ajuda, não consigo mais resistir aos sofrimentos causados pelo deserto. Em alguns dias, morrerei e não é isso que quero, quero apenas viver feliz. – O homem sentiu-se humilhado, mas ao menos estava mais aliviado.

Ok, o senhor já está melhorando…Vamos começar pela pergunta que já lhe fiz: Qual é a sua missão? O que lhe trouxe aqui no deserto?

Eu não sei! Enviaram-me para cá e somente disseram: já que você deseja ser tão solitário, individual e egoísta, aprenda uma lição. 

Hummmm – A flor pensou um pouco e disse – E, acho que já aprendeu a lição.

A flor começou a murchar e se encolher. O homem desesperado ao ver o que estava acontecendo, gritou:

Não Flor! Não morra! És minha única companheira em tanto tempo durante minha vida.

A flor olhou para o homem, deu um leve sorriso e desapareceu entre a areia. O homem começou a soluçar e soluçando acordou. Estava em sua cama, sonhando… Será que tudo não se passou de um sonho? Bem, talvez ele estivesse entrado em sintonia com a flor no deserto, mesmo nunca ter ido até lá. Mas foi tudo tão real…

O homem sentou e pensou: mas se tudo não se passou de um sonho, então posso continuar minha vida sem dar muita importância a isso, aliás, nem sou tão individualista assim, não é mesmo?